Calçada Portuguesa em Lisboa
A arte da calçada portuguesa é uma das maiores atracções de Lisboa. Mas sabia que existem curiosos segredos na calçada portuguesa no meio dos padrões a preto e branco? Venha descobri-los!
Já lhe falámos desta arte tão peculiar no artigo As Origens da Calçada
Portuguesa e os seus Primeiros Exemplares. Desta vez, a ideia é reparar mais
atentamente nesta fantástica manifestação artística e descobrir nela curiosidades
inesperadas.
Se olharmos com atenção podemos descobrir, ocultos nos vistosos desenhos,
imagens variadas que nos surpreendem a cada passo.
Um cacho de uvas, um pássaro, um relógio, um barco ou até mesmo o rosto que nos
sorri, são alguns dos curiosos segredos na calçada portuguesa que nos fazem
parar para apreciar e reflectir sobre a sua existência e os homens que as
conceberam.
Faça uma visita guiada às zonas históricas de Lisboa e
conheça locais imperdíveis desta magnífica cidade.
Estes motivos que nos surpreendem costumam ser interpretados como
assinaturas dos calceteiros. Mas uma reflexão mais atenta faz-nos pensar numa
outra possibilidade.
Os curiosos segredos na calçada portuguesa que referimos são figuras
dissimuladas nos padrões que não se encontram repetidas.
Um dos locais com maior incidência destes casos é a Avenida da Liberdade,
particularmente no troço em frente ao Parque Mayer, bem perto do Monumento aos
Mortos da Grande Guerra.
Esta zona da calçada foi totalmente levantada aquando da construção do
metropolitano e depois refeita, o que nos faz pensar que estas intervenções
datam dos anos 50 do séc. XX.
Entendemos que é ainda inerente um carácter provocador, subversivo, no
sentido em que estes elementos clandestinos, alheios ao padrão imposto, são uma
chamada de atenção destes homens que já se entendiam a si como artistas mas
cujo estatuto estava muito longe de ser reconhecido.
Todavia, existem de facto assinaturas que alguns calceteiros introduzem nos
seus trabalhos. É o caso dos contemporâneos calceteiros Jorge Duarte que assina
com uma pedra em forma de coração, e de Vítor Graça que introduz a letra V nos
seus trabalhos.
Mas interessa-nos perceber quem eram os primeiros homens que abraçaram este
ofício.
Os Primeiros Calceteiros
Os primeiros homens que se dedicaram a este labor eram condenados
da Cadeia do Limoeiro que por trazerem argolas de ferro e correntes
nos pés ficaram conhecidos como “grilhetas”.
Este facto foi genialmente retratado pelo poeta realista do fim de oitocentos,
Cesário Verde que no seu poema Cristalizações refere: “… Não se ouvem aves; nem
o choro de uma nora!/ Tomam por outra parte os viandantes;/ E o ferro e a pedra
– que união sonora! -/ Retinem alto pelo espaço fora,/ Com choques rijos,
ásperos, cantantes…”
O apreço da população de Lisboa pelos extraordinários desenhos da calçada,
primeiro da parada do Castelo de São Jorge (1842) e depois da Praça do Rossio
(1848), não foi directamente transposto para os artesãos que os produziam.
Os calceteiros eram simplesmente condenados, a quem era exigida resistência
física para realizar um trabalho duro que obrigava a passar longas horas numa
posição incómoda a partir pedras.
E até Cesário Verde, que ninguém pode acusar de falta de sensibilidade, no
mesmo poema se referiu aos calceteiros como trabalhadores grosseiros:
“Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros,/Vibra uma imensa
claridade crua./ De cócoras, em linha, os calceteiros,/ Com lentidão, terrosos
e grosseiros,/ Calçam de lado a lado a longa rua…”.
Ao longo do tempo foram afinando técnicas para a produção de uma boa calçada
portuguesa. Estas passam por várias fases: preparação do piso, assentamento de
pedras que evitam posteriores deformações do pavimento, acabamento e
compactação final, entre outras. Tudo isso exige trabalho de calceteiros
formados que dominam práticas muito exigentes.
A Valorização da Profissão
Apesar do merecido cartaz turístico que constitui a calçada portuguesa e a
devida homenagem aos calceteiros através de um monumento, a profissão de
calceteiro está, ainda hoje, longe de ser devidamente valorizada e por isso não
são muitos os que se candidatam a aprender tão duro ofício.
Mas será que a dureza do trabalho corresponde a homens menos sensíveis ou
desprovidos de sentido estético? Ao analisar estes curiosos segredos na calçada
portuguesa que lhe trazemos e que se encontram espalhados um pouco por toda a
cidade onde está presente a calçada artística, temos evidentemente de concluir
que não.
Pássaro no desenho da calçada, Avenida da Liberdade
A Escola de Calceteiros, criada pela CML em 1986, trouxe de certa forma um reconhecimento pela profissão e procura, junto dos seus formandos, transmitir não só a técnica mas também o valor que o seu ofício tem.
Porque há uma grande diferença entre tapar buracos com pedras que logo se soltam, provocando irregularidades incómodas de que os transeuntes tanto se queixam, e um trabalho executado com rigor que exige pedras bem talhadas que encaixam na perfeição e nesse caso constituem um dos melhores pisos públicos que existem.
Apelamos à valorização desta arte identitária portuguesa que tanto é apreciada no estrangeiro e que já se encontra replicada em muitas partes do mundo
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